Bolsonaro: Prisão decretada sem pedido do Ministério Público Federal

No direito penal, existe um princípio fundamental que afirma que a responsabilidade penal é sempre pessoal, jamais por fato alheio. Isso significa que ninguém pode ser responsabilizado por um crime cometido por outra pessoa. Um exemplo claro seria o seguinte: se João comete um homicídio, José não pode ser responsabilizado por esse ato. Esse princípio, que é uma garantia essencial do Estado de Direito, parece ter sido desafiado na recente decisão que determinou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Bandeira do Brasil – Foto: Rafaela Biazi na Unsplash

De acordo com a decisão proferida na Petição 14.129, a prisão domiciliar de Bolsonaro foi justificada pela interpretação de que uma conversa telefônica entre ele e os parlamentares Nicolas Ferreira e Flávio Bolsonaro teria incentivado as manifestações realizadas no dia 3 de agosto de 2025. A partir dessa premissa, concluiu-se que Bolsonaro teria descumprido as medidas cautelares impostas anteriormente pelo ministro Alexandre de Moraes.

No entanto, essa interpretação apresenta inconsistências importantes e, à primeira vista, parece contradizer a decisão anterior, de 21 de julho de 2025, que determinou o uso de tornozeleira eletrônica e outras medidas restritivas. A decisão anterior não estabelecia qualquer proibição explícita de que Bolsonaro mantivesse contato telefônico com Nicolas Ferreira ou Flávio Bolsonaro. As restrições impostas limitavam-se unicamente ao uso de redes sociais, seja de forma direta ou por intermédio de terceiros, o que reforça a fragilidade do argumento utilizado para justificar a conversão das medidas cautelares em prisão domiciliar. Além disso, a ausência de uma vedação específica para contatos telefônicos torna a decisão ainda mais questionável, especialmente quando analisada à luz dos princípios da proporcionalidade e do devido processo legal, que devem nortear quaisquer medidas restritivas de liberdade.

Ricardo Pinheiro.

Outro ponto crítico na fundamentação da decisão é o fato de ela ter sido tomada unilateralmente pelo ministro relator, sem qualquer provocação ou pedido formal do Procurador-Geral da República, e baseada exclusivamente em informações divulgadas pela imprensa. Essa conduta configura uma possível violação ao sistema acusatório, que estabelece a separação rigorosa entre as funções de acusar e julgar, além de comprometer o princípio do devido processo legal, um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Trechos da decisão proferida na Petição 14.129:

Em 3/8/2025, a imprensa noticiou a participação de JAIR MESSIAS BOLSONARO, por meio do uso das redes sociais, nos atos realizados por seus apoiadores, em que foram utilizadas bandeiras dos Estados Unidos da América, com apoio às tarifas impostas ao Brasil para coagir o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O caso de Bolsonaro também expõe um problema estrutural no atual cenário jurídico brasileiro: a configuração de um tribunal de exceção, em que pessoas que não possuem foro privilegiado estão sendo processadas e julgadas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal. Essa prática viola o princípio do juiz natural, que assegura a todos o direito de serem julgados por um tribunal competente, previamente estabelecido por lei.

Além disso, enfraquece pilares fundamentais do Estado de Direito, ao interferir diretamente no equilíbrio necessário entre justiça e democracia. É igualmente preocupante que a prisão cautelar, uma medida que deveria ser aplicada apenas em situações excepcionais, tenha sido transformada em um mecanismo de antecipação de culpa. Esse uso desvirtuado da prisão cautelar inverte a lógica garantista do direito penal, que estabelece a liberdade como regra e a prisão como exceção, colocando em risco as garantias constitucionais e fragilizando o sistema de Justiça.

Diante dessa situação, o ordenamento jurídico brasileiro oferece pelo menos dois caminhos viáveis para contestar a decisão que determinou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro. O primeiro deles seria a exceção de suspeição, que está prevista no artigo 254, inciso I, do Código de Processo Penal. Esse dispositivo permite questionar a imparcialidade de um magistrado em casos onde exista inimizade entre o juiz e o acusado. A decisão unilateral do ministro relator, sem provocação formal do Ministério Público, pode ser interpretada como um indício de parcialidade ou animosidade em relação ao réu, o que justifica a arguição de suspeição neste momento processual.

O segundo caminho jurídico seria a propositura de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que poderia ser ajuizada por um partido político ou entidade legitimada. Essa ação teria como foco, entre outras questões, a argumentação de que o Supremo Tribunal Federal está agindo como um tribunal de exceção, violando o princípio do juiz natural. Adicionalmente, na ADPF, seria possível incluir um pedido liminar ao presidente do STF, solicitando a suspensão da tramitação da ação penal contra Bolsonaro até que o plenário decida sobre a competência do tribunal para julgar os envolvidos nos eventos relacionados ao dia 8 de janeiro.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição, tem o dever de garantir que o sistema jurídico brasileiro opere com base nos princípios do Estado de Direito, especialmente o respeito à imparcialidade, à legalidade e às liberdades individuais. Decisões que desrespeitam esses valores minam a confiança pública nas instituições e colocam em risco a estabilidade democrática do país. É fundamental que a Justiça brasileira retome a lógica garantista do direito penal, preservando o equilíbrio entre segurança jurídica e os direitos individuais, pilares essenciais para um sistema jurídico justo e transparente.

A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .

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