A recente anulação de um dos casos mais emblemáticos de Brasília, conhecido como o crime da 113 Sul, trouxe à tona uma falha gravíssima no direito de defesa, culminando na nulidade de todo o julgamento de um crime extremamente grave. Este acontecimento escancara uma problemática séria: a manipulação de provas penais e o comprometimento da transparência no processo criminal, o que coloca em risco o sistema democrático de justiça.
Tribunal – Foto: Hansjörg Keller na Unsplash
Para que o leitor entenda melhor do que estou falando, em 02 de setembro de 2025, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu anular a ação penal contra uma pessoa condenada a 61 anos de prisão pelo suposto assassinato dos pais e da empregada do casal em 2009, no caso conhecido como Crime da 113 Sul. A decisão, conduzida pela divergência aberta pelo ministro Sebastião Reis Júnior, reconheceu o cerceamento de defesa, já que depoimentos cruciais de corréus, que apontavam a paciente deste caso como mandante do crime, só foram disponibilizados para os advogados no sétimo dia do julgamento no tribunal do júri. Além disso, constatou-se que as mídias com esses depoimentos, coletados em 2010, foram liberadas à defesa apenas em 2019, após o início do julgamento.
No Brasil, as provas penais não pertencem exclusivamente a nenhuma das partes — seja à polícia, ao Ministério Público ou à defesa. Uma vez incorporadas ao processo criminal, elas deixam de ser propriedade de um único lado e passam a ser de interesse comum, devendo estar acessíveis a todas as partes envolvidas na disputa judicial de forma igualitária.
Ricardo Pinheiro.
No crime da 113 Sul, um caso de homicídio doloso contra a vida, submetido ao Tribunal do Júri, ocorreu algo inaceitável: a ocultação de uma prova por parte do Estado. Essa prova foi deliberadamente omitida da defesa durante a primeira fase do julgamento, um ato que comprometeu toda a instrução processual. O Estado, sendo o único ente autorizado a restringir a liberdade de um cidadão, simplesmente não pode manipular provas criminais com o objetivo de garantir uma condenação. A liberdade de um indivíduo só pode ser retirada quando respeitados os princípios estabelecidos pelo devido processo legal.
O caso foi levado ao Superior Tribunal de Justiça, que, ao anular o julgamento, enviou um recado contundente às autoridades envolvidas na persecução penal: a manipulação de provas ou irregularidades no processo são inadmissíveis no ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito. Por mais que a gravidade do crime demande uma resposta eficiente das autoridades, ela não pode ser obtida à custa de violações às garantias fundamentais.
Durante este processo, o ministro Sebastião Reis Júnior desempenhou um papel de destaque ao abrir divergência em relação ao entendimento do relator, ministro Rogério Schietti. Enquanto Schietti argumentava que a manipulação da prova não seria suficiente para invalidar todo o julgamento, Sebastião Reis Júnior foi enfático ao reconhecer que tais irregularidades abalam, sim, a credibilidade das provas, comprometendo a lisura de todo o procedimento. Sua posição, que prevaleceu, reforça que qualquer prova contaminada por manipulação não pode sustentar uma condenação.
Os advogados responsáveis pelo caso, liderados pelo renomado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e pelo brilhante Marcelo Turbay, também devem ser reconhecidos por sua atuação. Eles conseguiram demonstrar, de forma inequívoca, a manipulação na produção da prova, garantindo a anulação do julgamento e reforçando a necessidade de respeito às regras do devido processo legal.
Este episódio serve como um alerta para todas as autoridades envolvidas na investigação e julgamento de crimes no Brasil. Não se trata apenas da possibilidade de um inocente ser condenado injustamente, mas do enfraquecimento da credibilidade de todo o sistema de justiça criminal, que deve sempre prezar pela eficiência, sem abrir mão da integridade e da imparcialidade. A sociedade como um todo depende de um sistema de justiça que respeite os direitos individuais e coíba abusos de poder, garantindo que as decisões judiciais sejam pautadas pela verdade processual e pela legalidade.
O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da Constituição e das garantias constitucionais, mostrou, com esta decisão histórica, que manipulações de provas não serão toleradas. O recado é claro: no Brasil, o direito de defesa e o devido processo legal são pilares inegociáveis do sistema de justiça.
A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .
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