Já imaginou perder a sua liberdade, ou seja, ser preso pelo Estado, sem que houvesse um fato objetivo concreto para justificar essa privação? Vamos esclarecer melhor. Imagine que Ricardo é preso após ser condenado definitivamente por meio de uma sentença penal condenatória transitada em julgado pelo crime de associação criminosa. Nesse caso, existe um fato objetivo claro e comprovado: Ricardo foi processado, exerceu seu direito de defesa, foi julgado, condenado e, apenas após o trânsito em julgado, passou a cumprir a pena. Essa privação da liberdade encontra respaldo na Constituição Federal, que garante a presunção de inocência até o término do processo.
Mãos Algemadas – Foto: niu niu na Unsplash
O problema surge, no entanto, quando o Estado aplica medidas extremas, como a prisão, sem a existência de um fato objetivo palpável que fundamenta sua decisão. Isso nos leva a refletir sobre as consequências perigosas de prisões decretadas com base em informações difusas, como matérias jornalísticas, sem a confirmação ou análise minuciosa de provas por parte dos órgãos competentes. Nesse ponto, estamos diante de uma questão extremamente sensível que se afasta dos pilares do garantismo penal e ameaça a preservação do Estado de Direito.
A inversão da lógica das garantias processuais não pode ser aceita como normalidade. O Brasil não pode se transformar em um sistema de censura velada, onde todos têm receio de expressar suas opiniões, temendo que decisões consideradas subjetivas possam ser utilizadas para retirar sua liberdade. Isso gera insegurança jurídica e fere o princípio basilar de que a liberdade deve ser a regra e não a exceção.
Ricardo Pinheiro
É inadmissível que decisões que restringem a liberdade individual sejam alicerçadas em informações não confrontadas, especialmente em tempos em que fake news e manipulações midiáticas são frequentes. O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição e dos direitos e garantias fundamentais, tem o dever de zelar pela liberdade e pela aplicação rigorosa do devido processo legal, assegurando que nenhuma pessoa sofra impactos arbitrários por decisões judiciais carentes de fundamentação objetiva.
O Código de Processo Penal permite ao juiz adotar medidas cautelares e firmar seu convencimento desde que fundamente a decisão. Isso, porém, não autoriza ultrapassar os limites do sistema acusatório, que separa, com clareza, quem investiga, quem acusa e quem julga. Para proteger a imparcialidade e o devido processo, decisões que possam tirar a liberdade de alguém, em regra, precisam ser pedidas pelo Ministério Público — não cabe ao juiz tomá-las de forma unilateral, conforme expressamente determina o artigo 311 do Código de Processo Penal:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Confira o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no AgRg no RHC n. 207.460/BA, julgado pela Quinta Turma (Rel. Min. Daniela Teixeira; Rel. p/ acórdão Min. Joel Ilan Paciornik) em 13/5/2025.
2. A defesa sustentou a ilegalidade da prisão preventiva, argumentando que foi decretada de ofício pelo juiz, sem pedido do Ministério Público ou representação da autoridade policial, em inobservância ao art. 311 do Código de Processo Penal.
II. Questão em discussão
4. A questão em discussão consiste em saber se a decretação de prisão preventiva sem requerimento específico do Ministério Público configura constrangimento ilegal, em desacordo com o sistema acusatório estabelecido pela Lei 13.964/2019.
III. Razões de decidir
5. A decretação de prisão preventiva sem requerimento do Ministério Público contraria o sistema acusatório, conforme entendimento predominante da Quinta Turma do STJ.
6. A manutenção da prisão preventiva sem provocação específica do Ministério Público caracteriza constrangimento ilegal, conforme reiterado no AgRg nos EDcl no RHC n. 196.080/MG.
4. Dispositivo e tenso
7. Recurso ordinário provido. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do agravante e determinar a aplicação de medidas cautelares menos gravosas.
Tese de julgamento: “1. A decretação de prisão preventiva sem requerimento específico do Ministério Público contraria o sistema acusatório. 2. A manutenção de prisão preventiva sem provocação específica do Ministério Público configura constrangimento ilegal”.
Ao longo de sua trajetória, o Supremo Tribunal Federal tem sido identificado com uma postura garantista, firme na proteção da presunção de inocência, do devido processo legal e na rejeição de tribunais de exceção. Em julgados recentes, contudo, observam-se movimentos que destoam desse perfil, ao admitir-se, por exemplo, a decretação de prisão sem prévio requerimento do Ministério Público — medida que tensiona as balizas do sistema acusatório.
Cumpre recordar que a liberdade é direito fundamental de máxima estatura em nosso ordenamento. Decisões proferidas à margem do sistema acusatório brasileiro devem ser revistas, sob pena de comprometimento da imparcialidade e da paridade de armas. Em um Tribunal colegiado, espera-se que os julgadores exerçam independência judicial e votem segundo o seu livre convencimento motivado, mas sempre dentro dos limites constitucionais e das regras do processo penal.
A liberdade é a regra; a restrição, a exceção. Qualquer medida que a limite somente se legitima diante de fatos concretos e contemporâneos, apurados segundo os ritos constitucionais e processuais, preferencialmente mediante provocação do órgão de acusação. Esse é o equilíbrio esperado de um sistema de justiça comprometido com o Estado de Direito.
A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .
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