Instituições financeiras e o impasse jurídico das sanções Magnitsky

As instituições financeiras enfrentam um desafio sem precedentes com a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal condicionar a aplicação das sanções da Lei Magnitsky ao aval prévio da própria Corte. Essa situação coloca os bancos em um impasse jurídico e operacional, com consequências potencialmente devastadoras tanto no cenário nacional quanto no internacional.

Bandeira dos Estados Unidos – Foto: Marek Studzinski na Unsplash

De um lado, caso as instituições financeiras decidam não cumprir as sanções determinadas pelos Estados Unidos, correm o grave risco de serem excluídas do sistema SWIFT, o principal mecanismo de comunicação interbancária global. Essa exclusão equivaleria ao isolamento do mercado financeiro internacional, comprometendo não apenas suas operações, mas também a confiança na instituição. Além disso, estariam sujeitas a multas milionárias impostas pelas autoridades norte-americanas, com impactos severos na saúde financeira e na reputação dos bancos.

Por outro lado, caso as instituições financeiras optem por aplicar unilateralmente as sanções impostas pelos Estados Unidos sem o devido aval do STF, elas poderão ser enquadradas no crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal Brasileiro. Além das possíveis sanções criminais, essas instituições também estarão sujeitas à aplicação de multas extremamente pesadas, visto que a responsabilização penal não exclui a responsabilidade civil. Nesse cenário, o pagamento de multas reflexas decorrentes de eventuais decisões judiciais poderá intensificar ainda mais os prejuízos financeiros enfrentados pelas instituições.

Nesse contexto, uma alternativa viável seria a exclusão dos clientes impactados pelas sanções da Lei Magnitsky com base no “desinteresse comercial”, fundamentada no artigo 12 da Resolução 2025, de 24 de novembro de 1993, do Banco Central:

Art. 12. Cabe à instituição financeira esclarecer ao depositante acerca das condições exigidas para a rescisão do contrato de conta de depósitos à vista por iniciativa de qualquer das partes, devendo ser incluídas na ficha-proposta as seguintes disposições mínimas: (Redação dada pela Resolução nº 2.747, de 28/6/2000.)

Ricardo Pinheiro.

Embora o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, IX, proíba práticas abusivas como a recusa injustificada de prestação de serviços, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça evoluiu consideravelmente entre 2013 e 2020, e o entendimento atual é de que tal dispositivo não se aplica às instituições financeiras.

Inicialmente, em 2013, o STJ adotava uma postura mais restritiva. Por exemplo, no julgamento do REsp 1.277.762/SP, a Terceira Turma decidiu que os bancos não poderiam encerrar unilateralmente e sem motivo contas-correntes de longa duração, especialmente em casos de movimentação constante e ativa. Nesse entendimento, a prática violaria o artigo 39, IX, do CDC, e os bancos seriam obrigados a manter tais contas. Além disso, a Corte reconheceu o dano moral sofrido pelos correntistas, resultando na condenação da instituição financeira.

1.- Não pode o banco, por simples notificação unilateral imotivada, sem apresentar motivo justo, encerrar conta-corrente antiga de longo tempo, ativa e em que mantida movimentação financeira razoável.

2.- Configurando contrato relacional ou cativo, o contrato de conta-corrente bancária de longo tempo não pode ser encerrado unilateralmente pelo banco, ainda que após notificação, sem motivação razoável, por contrariar o preceituado no art. 39, IX, do Cód. de Defesa do Consumidor.

3.- Condenação do banco à manutenção das conta-correntes dos autores.

4.- Dano moral configurado, visto que atingida a honra dos correntistas, deixando-os em situação vexatória, causadora de padecimento moral indenizável.

Porém, ao longo dos anos, esse entendimento foi revisto. Em decisões mais recentes, como o julgamento do AgInt no REsp 1.473.795/RJ, decidido em junho de 2020, a Quarta Turma do STJ concluiu que o artigo 39, IX, do CDC não se aplica às instituições financeiras. Essa posição levou ao afastamento da obrigação de manter o contrato de conta-corrente, permitindo que os bancos possam, dentro dos parâmetros regulatórios e legais, encerrar unilateralmente contas bancárias, desde que respeitem as normativas aplicáveis do Banco Central, como a exigência de notificação prévia e motivação adequada.

1. Segundo a jurisprudência mais recente desta Corte, a regra do art. 39, IX, do CDC não se aplica às instituições financeiras, afastando-se a obrigatoriedade de manutenção do contrato de conta-corrente (precedentes).

Diante desse dilema e à luz da jurisprudência mais recente do STJ, que afastou a aplicação do artigo 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, os bancos possuem maior flexibilidade para gerenciar unilateralmente seus contratos com clientes, inclusive no encerramento de contas vinculadas à aplicação de sanções internacionais.

No caso de clientes afetados pela Lei Magnitsky, cabe às instituições pesar o impacto individual contra os riscos coletivos. A manutenção de um cliente sancionado pode colocar em perigo a segurança e a credibilidade do sistema financeiro como um todo, potencialmente expondo milhões de clientes a prejuízos, caso haja exclusão do banco do sistema SWIFT ou sanções regulatórias amplas.

Portanto, diante do impasse que as instituições financeiras precisam gerenciar, o encerramento da conta de um cliente sancionado pela Lei Magnitsky surge como a única alternativa viável para evitar a imposição de sanções, seja pelo Supremo Tribunal Federal, seja pelas autoridades dos Estados Unidos.

A OPINIÃO DOS NOSSOS COLUNISTAS NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO PORTAL LUPA1 E DEMAIS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO GRUPO LUPA1 .

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